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A TRAVESSIA

De Carona Pelo Atlântico

 






A construção de um sonho

Desde criança, sempre tive contato com esportes aquáticos...esqui e wakeboard sempre fizeram parte da minha vida. Meu primeiro contato com um veleiro, foi aos 12 anos de idade, quando sai para velejar com o meu tio em Parati e peguei gosto pela coisa.

Há cerca de 4 anos atrás uma amiga me emprestou um livro, “Aventuras no Mar” de Helio Setti Jr. Então me encantei por livros de relatos de navegações, era uma forma de viajar e viver essas aventuras através das palavras dos velejadores. Eram tantas maravilhas, experiências e desafios enfrentados, aquilo tudo me fascinava. Com o tempo, cada vez mais meus projetos  e sonhos iam sendo construídos pouco a pouco no meu subconsciente. Sonhava em me tornar o protagonista dos livros que lia. 

A oportunidade  

Um dia a oportunidade de realizar esse sonho apareceu! O Gabriel,  primo da minha namorada, que é velejador, me convidou para fazer a travessia do Caribe à Europa com ele e sua mulher, Monika, à bordo de seu veleiro Rodeo. Mas um imprevisto aconteceu, um mês antes da viagem o barco dele apresentou alguns problemas e ele achou melhor desistir.

Mas eu estava decidido, comecei a buscar uma nova maneira para realizar o meu sonho, então meu professor de navegação me sugeriu ir com a cara e a coragem para o Caribe, ele me disse que lá eu acharia algum barco para tripular, afirmou que eu estava preparado e que aquela era a época certa.

Essa rota é muito popular no período de abril a junho, quando muitos velejadores aproveitam as condições de tempo favoráveis para atravessarem o Atlântico Norte rumo à Europa. Após esse período começa a  temporada de tempestades tropicais do Atlântico Norte, chegando a formar furacões.

Voei para Saint Martin com minha namorada para curtirmos o Caribe. Lá conheci o capitão Pieter, um holandês que vivia no Brasil há 15 anos e que há 5 anos havia deixado a vida de executivo para viver no seu veleiro, o Onda Boa, junto com sua namorada brasileira Dora. Eles iriam fazer a mesma travessia e quando souberam que eu estava buscando uma carona, me convidaram para fazer parte de sua tripulação. Topei na hora e no dia 8/5 embarquei como tripulante no Onda Boa.

Preparativos 

Já em Saint Martin, foram muitos os preparativos: muitas compras de alimentos, muita pesquisa de preço, muitos cálculos de quantidade de mantimentos, e manutenção preventiva do barco, abastecimento de água e diesel. Essa fase de planejamento é muito delicada pois tudo tem que estar de acordo com as necessidades e imprevistos que podem ocorrer

Pieter, Dora e eu contamos também com um quarto tripulante, o Giovanni, um americano de 28 anos que tinha muita experiência com vela e que se juntou a nós no dia 9/5. Na madrugada seguinte partimos para as Ilhas Virgens Britânicas (BVI's), onde precisávamos buscar uma vela genoa (vela da frente do barco) nova.

Na véspera da partida, 12/5, tudo estava preparado, incluindo um briefing no qual estabelecemos os turnos de vigília entre os 3 homens: 3:00 vigia x 6:00 descanso. Discutimos questões de segurança, emergência e sobrevivência. Além de meteorologia e estratégia inicial baseada na previsão do tempo. Programamos também a rotatividade dos afazeres do veleiro, como por exemplo, lavar a louça. Dora ficou responsável pela (árdua) tarefa de manter os marujos de barriga cheia. Mas os homens também se arriscaram na cozinha, até fizemos um concurso culinário, que deu em empate.



Levantar âncora

Estávamos todos muito animados, me sentia uma como criança na montanha russa.
 
As 12:00 horas de 13/5/14, levantamos âncora de Road Town em Tortola – Ilhas Virgens Britânicas (BVI's), próximo a Porto Rico. O vento vindo do leste era ótimo, nos permitia fazer um bom rumo nordeste, ajustamos velas e então começa a aventura. Foi um dia lindo e inesquecível, muito sol, céu limpo, ventos bons e constantes (cerca de 20 nós ou 36 km/h) que nos fazia velejar a uma média de 5 a 6 nós (10 km), com vento de través (entrando pelo lado).

Pesquei um atum pequeno que escapou do meu anzol e nosso capitão pescou uma barracuda enorme, mas devolvemos para o mar pois sua carne não é tão boa. Passamos a oeste da Ilha Anegada, e me lembro perfeitamente, foi a nossa última visão de terra. Ao fim do dia alguns golfinhos vieram nos fazer companhia. 

O dia-a-dia a bordo

No segundo dia meu corpo já estava acostumado ao balanço do mar e as batidas das ondas no barco, que mais pareciam trovões, especialmente na minha cabine que era na proa (frente), onde mais se sente o balanço.  Aos poucos a rotina do barco ia se consolidado. Fora os turnos tínhamos outras tarefas como; desanilizar água, manutenção preventiva, faxinar o barco etc. Apesar de todos os afazeres, tínhamos bastante tempo livre, eu gosto de ler e de fazer fotos, então para mim foi um prato cheio. Diariamente baixávamos a previsão do tempo e discutíamos a estratégia de navegação, todas as decisões eram tomadas em equipe.

Os primeiros dias foram ótimos, a previsão era boa, tempo aberto e ventos do leste constantes, seguíamos bom rumo nordeste. Já em nossa quinta noite de navegação o vento começou a ficar fraco e motoramos a noite inteira rumo leste para tentar chegar onde, segundo as previsões, havia vento. Mas no sexto dia, cadê os ventos? Nem uma brisa! Então decidimos desligar os motores, era muito cedo para gastar diesel. A paisagem era surreal, estávamos em uma piscina azul infinita. Aproveitamos que ainda estava calor para fazer uma “pool party”. Como não balançava muito achei um bom dia para cozinhar e preparei um Farfalle ao Funghi Secchi, receita da mama.

Foi um dia ótimo para recuperar as energias gastas nos primeiros dias. Deu para dormir bem sem balanço e batidas das ondas. Aos poucos o vento voltava timidamente e então decidimos usar a vela gennaker, uma vela grande e leve para ventos fracos que lentamente nos ajudou a voltar a velejar bem. Esta vela foi destaque da travessia, nos salvou quando tínhamos apenas ventos fracos, batizamos-a de "A Fera" (The Beast).

Tivemos uma segunda calmaria, dois dias depois, essa já nem tão bem vinda, fiquei bem frustrado, mas o pôr do sol comepensou. Esperamos mais um dia para que o vento voltasse a soprar a vela gennaker e então tivemos dias espetaculares de navegação, com ventos excelentes de sudoeste e ondas a favor do Onda Boa. A partir dessa calmaria inventamos uma brincadeira, todo dia de manhã apostávamos qual ia ser a distância percorrida das últimas 24 horas, o primeiro prêmio foi uma colher de nutella, o ganhador foi o capitão Pieter, que dividiu sua colher com todos, atitude admirável de um líder.

No 14º foi aniversário da Dora, organizamos uma festinha supresa, tivemos bolo e brigadeiro. No 16º dia escrevemos uma carta que colocamos em uma garrafa e jogamos ao mar. A moral estava muito legal, todos bem integrados e adaptados a rotina do barco. Éramos uma familia, nossos instintos de auto preservação estavam mais apurados, tínhamos muito mais que um mar a velejar, tínhamos que sobreviver. Devido os turnos de vigília os sentidos estavam mais aguçados, você começava a notar mais detalhes no meio, o que tornava tudo ainda mais interessante.

 
No 17º dia pegamos ventos fortes, em torno de 25 nós (45 km) e com bastante rajadas, um mar grosso com ondas de cerca de 3 metros. A velejada ficou um pouco mais radical, o Onda Boa voava baixo cortando as águas do Atlântico. Fazíamos uns 10 nós (18,5 km/h), chegando à 14 (25 km/h). Foi nosso melhor dia, fizemos 179 milhas náuticas (332 km) em 24 horas, poderíamos ter feito mais, mas durante a madrugada decidimos reduzir as velas por segurança. A operação de reduzir as velas foi emocionante, o tempo estava feio lá fora. Colacamos as roupas de tempestade, discutimos a estratégia e saiamos, parecia uma operação militar, tudo bem coordenado.

O tempo é relativo 

Sentia como se estivéssemos em um universo paralelo, estávamos alienados do mundo e seu tempo, o nosso tempo passava de forma diferente, o sol e a lua eram muito mais notáveis, nos dando a sensação de que tempo estava passando. Ao longo do trajeto os dias mudavam, o sol nascia mais cedo, a lua nascia mais tarde e o frio foi chegando com as altas latitudes. 

Dificuldades...que viraram limonada
 
No terceiro dia nosso medidor de vento pifou, ele não mostrava mais a direção do vento e nem velocidade, tínhamos que nos basear na bandeira do Brasil que estava hasteada para termos sabermos a direção do vento e usar um aparelho manual para tirar a velocidade (Anemômetro).

Na tarde do 18º dia nosso piloto automático quebrou - Aí complicou! Tinha que ter alguém 24 horas na roda de leme (volante do barco), mudamos o turno para: 1:30 timão x 3:00 descanso. Foi bem cansativo, principalmente durante as madrugadas ter que ficar do lado de fora conduzindo o barco manualmente no frio e sozinho, só um tocador de MP3 para salvar, ficávamos cantando e dançado para espantar o sono e o frio, muito rock, claro! Brincávamos que éramos como os velhos lobos do mar, navegando na mão, na raça – hoje em dia a tecnologia tornou a navegação muito mais fácil. Além disso, o fato de passar esses 4 dias navegando manualmente te obrigava a prestar ainda mais atenção no vento, no mar, nas velas, na navegação e nos instrumentos, o que me proporcionou um grande aprendizado.

Na última noite quebrou o nosso plotter, um computador de bordo para navegação, era nossos olhos e bússola, por sorte já avistávamos o farol de Ponta das Lajes e navegamos a noite toda com essa referência, novamente brincamos, somos velejadores da velha guarda, navegando como antigamente.

O fim do arco-íris

Pegamos uma última calmaria no 20º dia, mas nessa motaramos direto, queríamos chegar logo. Tivemos várias visitas de golfinhos, foi muito lindo. O vento voltou no dia seguinte e foi possível velejar até o fim. No último dia tivemos um show de baleias Cachalote, foi incrível assisti-las ali, tão perto. Por volta das 20:30, durante meu turno do timão, notei algumas luzes, fui verificar com o binóculo e eram luzes da Ilha das Flores, 22 dias sem sinal de civilização, fiquei muito eufórico! Logo cedo o Pieter nos acorda para que todos juntos pudéssemos contemplar a chegada.


Chegamos no fim do arco-íris e, como já havia avisado Hélio Setti Jr., não encontramos um pote de ouro, mas a jornada para chegar lá...essa sim vale todo ouro do mundo. Foi  emocionante, às 06:30 do  4/6/14 jogamos âncora no porto de Ponta das Lages na Ilha de Flores,  e em seguida estouramos uma champanhe para comemorar. Depois de 23 dias de mar, chegar em terra firme. Uma sensação muito gratificante de missão comprida, mas ao mesmo tempo um sentimento triste, como dizia Hélio Setti Jr.: “-O grande lance não é chegar ao destino, mas estar batalhando para chegar lá. Chegar acaba com a graça, com a luta gostosa, com o sonho. O bom é estar no campo jogando. É claro que ganhar o jogo é ótimo, mas para quem realmente ama o que faz, o fazer é o extremo do prazer.”

Tive diferentes sentimentos em cada momento da jornada; a euforia da partida, a reflexão do "que raios estou fazendo aqui", a frustração da calmaria, a adrenalina de ventos fortes, a vontade de que não acabe mais, a ansiedade de chegar logo e, agora que cheguei, o desejo de partir de novo. 

Voltei ao Brasil, à minha vida normal me sentindo realizado. Cheio de histórias para contar, 3000 fotos e uma experiência fantástica na minha bagagem da vida. Estava ansioso para rever meus amigos e família. Tinha uma lista de coisas que queria fazer, comidas que queria comer e pessoas que queria ver. Aprendi muitas coisas nessa viagem, coisas que, com certeza, levarei para o resto da vida. 

Lições de vida

Quanto mais milhas navegamos, mais experiências adquirimos, junto a isso muitas lições de vida. Velejar através do oceano me ensinou muito sobre liderança, trabalho em equipe, estratégia e planejamento, objetivos, gratidão, paciência e algo que considero o mais importante, a humildade. Me sentia tão insignificante diante daquela imensidão azul, profunda e infinita, a mercê de seu humor e caprichos, e tão grato ao oceano por ter nos permitido passar em segurança.

FOTOS: Para ver mais fotos acesse meu album no Flickr 

Homenagem

Faço uma homenagem, e peço para quem poder, que reze pela tripulação e familiares do veleiro Cheeki Rafik, que fazendo a mesma travessia, alguns dias atrás de nós, por volta do 20/05 sofreu um acidente. O barco foi encontrado alguns dias depois de cabeça para baixo com a quilha quebrada, algum choque (container provavelmente), porém toda a sua tripulação desapareceu.
http://www.cnn.com/2014/05/23/world/missing-british-yacht-found/



*Relato detalhado será publicado como um diário de bordo para cada dia.
*Para maiores detalhes da navegação, consulte a página Log Book.
Se tiver algumas curiosidade ou pergunta, fique a vontade para fazer nos comentários que responderei com prazer.





6 comentários:

  1. Grande Pedro, vc esta de parabens....Muito bom o seu relato, e claro os fotos... muito bom mesmo..

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    1. Obrigado Capitain!! Vindo de você é mais que um elogio!! Em breve videozinhos! rsrs

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  2. Pedrão, parabéns! Muito bom ler seu relato e poder sentir um pouquinho dessa emoção que passaram!

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  3. Parabéns Pedrão, excelente leitura!

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